19 abril 2013

Nos EUA, as empresas são vendidas aos empregados

Atividade econômica fraca e aposentadoria próxima são estímulos

Mandy Cabot quer ter certeza que a fábrica de calçados que ela e o marido montaram ao longo dos anos continuará em boas mãos quando eles saírem. Mandy, que tem 58 anos e é uma das fundadoras da Dansko - empresa de West Grove, no Estado americano da Pensilvânia, com receita anual de mais de US$ 150 milhões -, diz temer que, se vendê-la para um concorrente ou a uma firma de "private equity", os novos donos optem por demitir funcionários ou outras medidas para cortar custos.

 Então, em fevereiro, o casal transferiu a propriedade do negócio para seus 180 funcionários. Ao "mantê-la em família" e dar aos empregados uma participação real no futuro da empresa, Mandy diz esperar que ela permaneça forte nos próximos anos. "Ela é nosso bebê, mas em algum momento temos que deixar de ser pais e nos tornarmos avós", acrescenta.

 À medida que mais empreendedores se aproximam da aposentadoria - cerca de 30% dos donos de empresas americanas têm 55 anos ou mais, segundo a Administração de Pequenas Empresas nos EUA - muitos estão preferindo vendê-las para seus empregados em vez de compradores externos.

 Conhecido como plano de compra de ações por empregados - ou ESOP, na sigla em inglês - a iniciativa tem sido adotada por pequenas empresas, especialmente aquelas com dificuldade para encontrar interessados numa economia fraca. Segundo os planos tradicionais, a participação do dono é comprada parcialmente ou integralmente - frequentemente por meio de um empréstimo bancário -, sendo mantida em custódia. Os empregados então recebem o dinheiro das ações ao se aposentar.

 Esta semana, nos Estados Unidos, um grupo de legisladores dos partidos do governo e da oposição apresentou um projeto de lei para incentivar planos do tipo ESOP. Os críticos desses planos, porém, dizem que donos de empresas à procura de uma saída fácil estão apenas disseminando os riscos do negócio ao convencer empregados a apostarem suas economias numa única empresa. O que realmente atrai os proprietários, dizem esses opositores, são os generosos incentivos fiscais proporcionados por esses planos para ganhos de capital e dividendos.

 Andrew Stumpff, professor na Universidade de Direito de Michigan e crítico dos planos, diz que já é suficientemente ruim investir as economias da aposentadoria numa única empresa. Mas é ainda pior se essa empresa é onde você trabalha, diz ele. "Se a firma falir, você perde seu emprego e sua poupança." Ele acrescenta que esse risco é muito real, citando os casos da petrolífera Enron e do banco Lehman Brothers como exemplos de grandes empresas que ofereceram aos funcionários esse tipo de planos antes de falirem.

 Em 2011, estimava-se a existência de 10,9 mil empresas nos EUA cuja propriedade havia sido transferida para os funcionários, número 12% maior que o 2007 e um recorde desde os anos 70, quando o modelo surgiu, segundo o Centro Nacional de Propriedade dos Funcionários, um grupo da Califórnia. Quase todas as empresas que adotam o ESOP têm menos de 500 funcionários. Cerca de 10 milhões de trabalhadores fazem parte atualmente desse tipo de plano, que juntos detêm ativos que superam US$ 860 milhões, estima o grupo.

 Norman Stein, professor de Direito na Universidade de Drexel, na Filadélfia, diz que a participação dos trabalhadores no ESOP causa mais perdas do que benefícios. Muitos dos planos se baseiam em avaliações infladas do valor da empresa, especialmente na esteira da recessão, quando os compradores estão em busca de negócios. Muitos empregados que participam desse modelo acabam tendo em mãos ações sobrevalorizadas, muito tempo depois de o dono original já ter saído do negócio. "Eu não sou contrário aos empregados possuírem algumas ações das empresas onde trabalham, mas sou contra se isso for atrelado ao seu plano de aposentadoria", diz ele. "É uma tendência problemática.

" Outros dizem que o modelo oferece benefícios fiscais caros e desnecessários. O governo americano propôs recentemente eliminar um corte dos impostos sobre dividendos pagos por esses planos - iniciativa criticada pela associação que os representa.

 "O que estamos vendo é a união da demografia com boas políticas de impostos", diz Michael Keeling, presidente da Associação ESOP, um grupo lobista de Washington, referindo-se ao número crescente de empresas criadas pelos chamados "baby boomers" (pessoas nascidas entre o fim da Segunda Guerra e o início dos anos 60) que estão sendo convertidas ao ESOP. "O sucesso de uma empresa não é guiado apenas pelo brilhantismo do seu presidente, mas também pelos seus funcionários, e cada vez mais proprietários sentem que [seus funcionários] merecem algo mais por isso", acrescenta Keeling.

 Estudos feitos separadamente pelas universidades Harvard e Rutgers, assim como pelo Instituto Nacional de Pesquisa Econômica, verificaram que empresas com planos de propriedade compartilhada se saíram melhor na recessão que aquelas com estruturas mais convencionais, com menos demissões, produtividade maior e lealdade mais forte dos funcionários. Dados da Pesquisa Social Geral, por exemplo, mostram que a taxa de demissões nas empresas que adotam o ESOP foi de 2,6% em 2010, comparado com 12,1% das empresas sem esse modelo.

 Dawn Huston, de 31 anos, começou a trabalhar na Dansko há 11 anos, na triagem dos calçados a serem entregues. Agora, como processadora de armazém, ela diz que a ideia de ser dona de uma parte da empresa a deixou nervosa no começo - embora não estivesse preocupada com relação às suas economias para a aposentadoria, já que a empresa ofereceu um plano separado de previdência. Durante 2012, ela passou a se referir à Dansko como "nossa empresa". "Eu sinto como se eles nos considerassem da família e ela [a empresa] parece uma família", diz ela.

 Kim Jordan, que fundou a New Belgium Brewing com seu marido em 1991, diz que a participação dos trabalhadores garante que os valores e a cultura da empresa permanecerão intactos - incluindo seu compromisso com a agricultura sustentável e um processo de produção que protege o ambiente. Em dezembro, ela estendeu a propriedade da cervejaria de Fort Collins aos seus 480 funcionários.

 "Nós sempre tentamos envolver nossa equipe no negócio", diz. O objetivo, afirma, não é só recompensar os funcionários, mas incentivar uma cultura em que eles pensem mais como empreendedores. Valro econômico
Fonte: interjornal 19/04/2013

19 abril 2013



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