20 março 2014

Corporate venturing: uma nova ferramenta de inovação

Grandes empresas investem em startups e spin-offs em busca de inovações

 No ano de 2003, foi fundada em Dublin, na capital da Irlanda, uma empresa de base tecnológica chamada AdaptiveMobile, especializada em sistemas de segurança para telefonia celular. Seu desempenho logo chamou a atenção da Intel Capital, uma subsidiária da Intel focada em identificar e investir em startups com modelos de negócios complementares ao da companhia. Em 2006, a Intel Capital fez um aporte de US$5,6 milhões na AdaptiveMobile. Um ano depois, um novo investimento foi realizado – em conjunto com dois fundos –, totalizando mais US$14 milhões. Atualmente, a AdaptiveMobile é líder mundial em seu setor e suas soluções de segurança estão implantadas em sete das dez maiores empresas de telefonia do mundo, representando uma base de cobertura superior a 1 bilhão de clientes.

 O exemplo acima ilustra bem uma nova modalidade de empreendimento corporativo que tem ganhado espaço no mercado nos últimos anos: o corporate venturing. O conceito tem raízes no venture capital, em que investidores de risco aplicam recursos em empresas nascentes visando lucro futuro. A diferença é que, neste caso, são empresas e organizações que assumem o lugar do investidor. Além disso, as formas de investimento e os objetivos também são distintos.

 “Um investidor tradicional entra com o recurso financeiro e, no máximo, com alguma espécie de mentoria ou suporte à gestão. Por sua vez, uma organização já estruturada pode oferecer, além do capital, uma série de outros ativos, como tecnologia, força da marca, ferramentas de gestão, canais de distribuição, etc”, diferencia Daniel Saad, sócio-diretor da Inventta+drive.

 A missão de uma estrutura de corporate venturing focada na incubação e aceleração de novos negócios é nutrir, dar força e proteger o projeto para que ele não concorra com o dia a dia do negócio principal da organização, e tenha condições de frutificar e ajudar a expandir as oportunidades de inovação da “empresa-mãe”.

 Modelos 

Existem duas formas de uma empresa investir em uma corporate venture: estimulando um novo negócio nascente dentro da própria organização, a partir de uma spin-off, ou buscando no mercado uma startup que se relacione com o negócio da empresa-mãe.

 “Um investimento do tipo corporate venture capital (CVC) funciona como um radar para inovações.” Daniel Saad, sócio-diretor da Inventta+drive 

Entre os benefícios da prática, Saad ressalta que o primeiro e mais elementar é o retorno financeiro para a empresa investidora – caso o novo empreendimento cresça e gere lucro, obviamente. Entretanto, os pontos positivos vão bem além. “A empresa-mãe, quando investe em empresas nascentes, pode ter acesso a tecnologias e modelos de negócio emergentes que ela não teria se ficasse focada só em si mesma. Um investimento do tipo corporate venture capital (CVC) funciona como um radar para inovações. Sem esse radar a empresa pode, no futuro, ser superada por uma tecnologia que ela nem viu nascer”, argumenta.

 No caso do corporate venturing interno – aquele que nasce dentro da própria corporação –, Saad acredita que a vantagem está em se alinhar com o pensamento das novas gerações de profissionais e dar vazão a seus impulsos empreendedores. “É uma forma de criar valor a partir do espírito inovador da equipe. Não ter um canal aberto nesse sentido é correr o risco de perder um valioso capital humano, uma vez que aquele perfil de profissional que quer ficar no mesmo emprego por toda a vida está em declínio”, explica.

 Para o também sócio-diretor da Inventta+drive Bruno Moreira, esse capital humano constitui peça fundamental para o sucesso do novo negócio. “Há que se trabalhar com um perfil variado de pessoas. Ao mesmo tempo em que negócios nascentes irão requerer uma dose importante da energia empreendedora – e ter gente com o perfil empreendedor à frente dos negócios será essencial – o nível de governança que o executivo de uma grande corporação aporta nesse tipo de iniciativa pode determinar a velocidade de desenvolvimento e, muitas vezes, o sucesso do negócio”, avalia.

 Apesar da importância da proximidade e da interface entre o negócio nascente e a empresa-mãe, também é preciso ficar atento para que não haja um “sufocamento”. “Uma das maiores dificuldades de se planejar uma ação de corporate venturing é medir bem a distância da iniciativa em relação à empresa-mãe”, opina Saad. Enquanto uma interferência excessiva pode contaminar a empresa-filha com todos os entraves da grande corporação (burocracia, lentidão na tomada de decisões), o distanciamento total acaba transformando a empresa-mãe em mera investidora. “É preciso encontrar o lugar ideal, que permita à empresa nascente se beneficiar de sua agilidade e, ao mesmo tempo, tirar proveito da estrutura da empresa-mãe”, afirma Saad. “Uma figura muito importante nesse processo é exatamente a do profissional que irá auxiliar nessa interface”, complementa Bruno.

 Corporate Venturing vs. Inovação 

 O investimento em corporate venture se baseia na necessidade/desejo da grande empresa de gerar inovações, mesmo que a princípio sejam iniciativas de pequeno impacto ou fora do core-business da companhia. Mas, então, por que simplesmente não investir em um departamento ou setor interno de inovação?

 “Tratam-se de esforços complementares. Uma iniciativa de corporate venture (CV) não elimina a necessidade de se fazer a inovação internamente. O CV é uma importante ferramenta de inovação para uma empresa, podendo gerá-la com base em distintas estratégias: experimentação de novas tecnologias e mercados, geração de valor a partir de ativos subutilizados da empresa-mãe, vazão a energia empreendedora de colaboradores da companhia etc”, pondera Bruno.

 Na visão de Saad, outra diferença está no potencial de geração de inovação. Enquanto, em um setor interno, o resultado quase invariavelmente acaba sendo inovações incrementais, um corporate venture oferece mais possibilidades de geração de inovação disruptiva. “A principal diferença de um modelo tradicional para um de empreendedorismo corporativo é o mindset, a forma de pensar. Do modelo de funil, por exemplo, sai pouca coisa radical, que seja realmente novo e que vá reinventar o negócio”, argumenta. Por outro lado, explica, o corporate venture tem por natureza ser mais arrojado, com mais liberdade de experimentação.

 “O CV (corporate venture) é uma importante ferramenta de inovação para uma empresa.” Bruno Moreira, sócio-diretor da Inventta+drive 

Saad complementa com a analogia criada pela pesquisadora Saras Sarasvathy, uma das expoentes no campo do empreendedorismo: “quando você vai cozinhar, você tem a opção de seguir uma receita ou de abrir a geladeira, checar os ingredientes que há disponíveis e fazer o melhor que puder a partir daquilo. A grande diferença é que, no segundo caso, você vai acabar criando algo totalmente novo, que talvez nem você mesmo planejasse”. (Para assistir ao vídeo em que Saras explica melhor esse conceito, clique aqui)

 Experiências de sucesso 

Hoje já são mais de 700 empresas no mundo investindo em corporate venture capital. Além da Intel, citada no início dessa reportagem, outras grandes companhias que se destacam são a Unilever, IBM e GE, entre outras. Os investimentos de CVC representam 15-20% dos deals realizados e 6-9% do total investido pelas corporações.

 No Brasil é possível destacar empresas como Votorantim, Intel, Buscapé, Siemens, Embraer e Telefonica. A TecTotal, por exemplo, é uma empresa que nasceu dentro da Telefonica e hoje é case de sucesso do modelo de corporate venturing implementado pelo Grupo. A empresa presta serviço de instalação, treinamento e manutenção de equipamentos eletrônicos como GPS, tablets, TVs etc. O processo implementado foi baseado em um concurso chamado Trilha do Empreendedor, onde pessoas enviavam ideias de novos negócios e, ao final, havia uma escolha de quais delas deveriam receber investimento de capital e estrutura para poderem se desenvolver. Apenas nos primeiros sete meses de operação, a TecTotal faturou cerca de R$20 milhões. Hoje a empresa já não faz parte da estrutura da Telefonica e já expandiu seus negócios para países da América do Sul.

 Apesar das iniciativas e aportes financeiros em CVC no Brasil serem crescentes, ainda há poucos players presentes atuantes. “Há espaço e grandes oportunidades para bancos de fomento, investidores institucionais e fundações se tornarem co-investidores em fundos corporativos, ajudando a promover a disseminação do CV como ferramenta de inovação e desenvolvimento do país”, conclui Bruno. Leia mais em Inventta 18/03/2014

20 março 2014



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