18 março 2018

Com queda de juros, fundos de pensão investirão R$ 66 bi a mais em aplicações de risco

Para especialistas, recursos podem ajudar a impulsionar taxa de investimento do país

Aredução dos juros ao menor patamar da história impõe uma mudança bilionária aos investimentos dos fundos de pensão brasileiros. Os títulos públicos, que respondem por mais de 70% das carteiras, já não rendem o suficiente para pagar os benefícios no longo prazo. Com novas reduções à vista na Selic — esta semana, pode cair a 6,5% —, a tarefa ficará ainda mais difícil, obrigando mais investimentos em ativos de maior risco como ações, dívida corporativa e aplicações no exterior.

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Segundo estimativa da consultoria Aditus com base em 250 planos, o volume investido em segmentos mais arrojados crescerá R$ 66,5 bilhões até 2022. Considerando os maiores fundos estatais, que não entram nessa conta e concentram grande parte dos recursos da indústria, o volume será ainda maior. O ajuste ocorre no momento em que o país precisa erguer a taxa de investimento do menor patamar histórico e em que os fundos tentam resgatar sua credibilidade — prejudicada, justamente, por apostas mais ousadas do passado recente.

O fim do vício dos fundos de pensão em títulos do Tesouro abre oportunidade para que esses recursos cheguem à economia real, na opinião de Cláudio Frischtak, presidente da Inter.B Consultoria. Segundo ele, o investimento em infraestrutura no Brasil precisa subir de 1,37% do PIB, menor proporção em 50 anos, para ao menos 4,15% ao longo de duas décadas. A carência é grande, equivalente a 3% do PIB ao ano, mas possível para os fundos de pensão, que representam 12,5% da economia e têm espaço para crescer: na média dos 22 maiores mercados, as fundações representam, 67% do PIB, segundo levantamento da Willis Tower Watson.

— A redução do juros é uma pequena revolução. Mas ela precisa ser sustentável e não resolve tudo sozinha. Precisa-se de bons projetos. O governo tem que melhorar o grau de segurança jurídica, elevando a especialização do Judiciário — disse o especialista, citando ainda a necessidade de maior previsibilidade regulatória — Há um projeto na Câmara de suma importância, que quer aumentar a independência de 11 agências reguladoras. Ele precisa ser aprovado.

MUDANÇA NA REGULAMENTAÇÃO DO SETOR

Outro ponto, citou, é acelerar a execução do Programa de Parcerias de Investimentos (PPI). Seus 75 projetos previstos para este ano podem atrair R$ 132,7 bilhões. Mas dúvidas pairam sobre muitos deles — há dúvidas, por exemplo, sobre o cronograma de privatização da Eletrobras, que renderia R$ 12,2 bilhões.

Segundo a previsão de Guilherme Benites, da consultoria Aditus, a fatia dos investimentos de maior risco na carteira dos fundos crescerá de 10,5% para 35% em cinco, enquanto a renda fixa encolherá de 90% para 60%. O cálculo levou em conta um universo de 250 planos. A conta prevê que o patrimônio deles somado deve crescer R$ 200 bilhões para R$ 250 bilhões no período. A Aditus não considera os maiores fundos de pensão de estatais, cujo volume de ativos é muito elevado e acaba desequilibrando as comparações. Mas, consultados pelo GLOBO, os principais fundos estão se preparando para mexer em suas carteiras.

Isso deve mudar a cara dos fundos de pensão no Brasil. O estudo da Willis estimou que, em 2016, era de 46% o peso das ações na carteira dos fundos de pensão nos setes maiores mercados do mundo. No Brasil, segundo números da Abrapp, associação do setor, elas representam apenas 18,3% — e isso porque o maior dos fundos, a Previ, tem quase metade da carteira na Bolsa, elevando a média da indústria.

O conservadorismo foi uma reação ao ambiente econômico de menor crescimento. Durante a escalada da taxa Selic entre 2013 e 2015, a soma dos déficits dos fundos de pensão cresceu de R$ 21,4 bilhões para R$ 76,7 bilhões.

O economista Bruno De Conti, porém, está cético com a mudança. O professor da Unicamp estudou o comportamento dos fundos de pensão no último ciclo de queda da Selic, de 2012 a 2013, e constatou que a busca por ativos de mais risco só responde aos juros baixos quando há dinamismo econômico. Naquele momento, as carteiras pouco mudaram, o que deve se repetir agora, previu.

— Esse patamar de juros é fruto da recessão, não houve alterações estruturais. A mera queda da Selic não vai levar a mudanças nas carteiras porque isso dependeria de uma valorização sustentada dos ativos. E isso depende de crescimento — afirmou De Conti.

De qualquer forma, a Previc, que regula o setor, prepara para este semestre um pacote de alterações da instrução 3792, que estipula as regras de aplicação, visando justamente a permitir que os fundos tomem mais risco. A Previc não antecipa quais mudanças serão feitas, mas o mercado especula que pode haver aumento do limite em aplicações em fundos multimercados, que hoje é de 10%. Espera-se ainda adequações para produtos novos, como Certificado de Operações Estruturadas (COEs), que combina elementos de rendas fixa e variável.

— É possível que haja alteração dos limites de investimentos. Isso não seria a parte mais relevante, mas a ideia é flexibilizar, considerando o cenário de redução de juros — afirmou Fábio Coelho, diretor-superintendente da Previc. — A Previc não tutela os investimentos e não sugere aplicação. Mas, é uma tradição que as fundações, identificando maior dificuldade para atingir suas metas, montem seus portfólio de modo a refletir a necessidade de maior rentabilidade fora de investimentos tradicionais.

Em dezembro, a Previc já havia mudado as regras para investimento no exterior, acabando com a restrição de investimento em fundos que detenham 5% de ativos emitidos por um único emissor e flexibilizando a necessidade de “grau de investimento” (selo de bom pagador) para papéis emitidos lá fora. Em contrapartida, passou a exigir que o fundo possua ao menos 12 meses de histórico de performance e diminuiu o limite de aplicação num único fundo de 25% para 15%.

Nos grandes fundos de pensão, porém, o perfil sugere que o movimento será gradual. Criadas há muitos anos, essas fundações têm parte considerável do patrimônio alocado em planos maduros, que já pagam bilhões em benefícios e precisam privilegiar a previsibilidade. Por isso que, na Petros, fundo dos funcionários da Petrobras, a tomada de risco se dará no plano mais novo, o Petros-2, de contribuição variável. Hoje, só 11% de sua carteira de R$ 17,3 bilhões está em ações, contra 81% em renda fixa. Na política de investimento até 2022, a meta é ter 15% na Bolsa, e 74% em títulos de renda fixa. No plano antigo e maior, o PPSP, o objetivo é oposto: elevar a renda fixa de 61% para 70%.

— No plano mais novo, a tendência de juros baixos por um período prolongado de tempo tende a levar a um investimento maior em renda variável — avaliou o diretor de Investimentos da Petros, Daniel Lima. — No caso de investimentos no exterior, não temos nada, mas acho que será importante termos uma posição no futuro.

A Petros foi um dos fundos que mais se machucou com apostas erradas no passado. Os participantes do PPSP estão pagando contribuição extra para cobrir déficit acumulado nos últimos anos, em um equacionamento que soma R$ 27,3 bilhões. Parte da perda se deveu à recessão, mas também pesou alguns deslizes na gestão. A Petros entrou, por exemplo, em aplicações investigadas na Operação Greenfield, como os fundos que injetaram recursos na Sete Brasil e na Gradiente.

— Ficaram um monte de lições do passado. Os processos foram aprimorados, e incorporamos lições dos investimentos malfadados. Por isso, acreditamos que hoje a Petros deve ser uma das fundações melhor posicionadas para avaliar esses investimentos — ponderou Lima.

O maior dos fundos brasileiro é um dos mais arrojados: quase 48% dos seus R$ 180,4 bilhões estão em ações. O plano é diminuir essa parcela a 30,8% em 2024. Mas grande parte da transição é contaminada pelo perfil do plano antigo, que detém cerca de 90% do patrimônio. Mesmo o aumento da participação da renda fixa prevê maior exposição a risco.

— A Previ sempre foi muito tímida no investimento em títulos privados (dívida de empresas, por exemplo). Com a retomada da economia, isso pode ser uma opção dentro da renda fixa — afirmou Marcus Moreira, diretor de Investimento da Previ.

A fundação também se diz aberta a aplicar em dívida relacionada à projetos de infraestrutura:

— Bons ativos de crédito em infraestrutura se alinham ao nosso objetivo, porque são de longo prazo. O BNDES está lançando um fundo com debêntures (títulos de dívida) de infraestrutura para o setor de energia e vamos participar.

POUCAS OPÇÕES NA BOLSA

Assim como Cláudio Frischtak, da Inter.B, Moreira acredita que a redução do papel do BNDES no financiamento direto a esses projetos abre o apetite para os fundos de pensão.

A Funcesp, quarto maior fundo do Brasil, já vem ajustando sua carteira de R$ 28,2 bilhões desde meados de 2016, segundo o diretor de Investimentos, Jorge Simino. A alocação em Bolsa cresceu de R$ 1,25 bilhão para R$ 3,7 bilhões desde então, enquanto a posição em fundos multimercados subiu de R$ 200 milhões para R$ 1,26 bilhão.

— No horizonte de cinco anos, é razoável que cheguemos a ter 25% em ações, por exemplo. Há duas décadas, era comum que os fundos tivessem até 30% na Bolsa. Então, há um espaço a ser ocupado. Só que isso depende de algumas premissas para voltar a ocorrer — argumentou Simino.

Um deles, obviamente, é um crescimento sustentado. Mas o diretor da Funcesp levantou também uma dificuldade técnica:

— Temos poucos papéis na Bolsa. Em 1980, havia 150 empresas com liquidez suficiente para montarmos uma posição. Hoje, são 110 e olhe lá. E isso quando a competição aumentou muito, com a entrada de estrangeiros e fundos abertos. Há um desequilíbrio entre oferta e demanda que afeta o potencial de investimento.

Mas a professora Andrea Minardi, do Insper, acredita que a demanda dos próprios fundos acabará induzindo uma maior oferta de empresas na Bolsa. No fim de 2017, por exemplo, a Previ investiu na abertura de capital da BR Distribuidora.

— A transição para a renda variável valoriza os papéis, o que acaba levando mais companhias a abrirem seu capital. Os fundos têm o poder de aquecer o mercado — ponderou.

Na comparação com outros países, os fundos locais têm, de fato, espaço para avançar na Bolsa. Nos EUA, o patrimônio deles representa 85% da capitalização da Bolsa. No Brasil, a proporção é de apenas 30%. - POR AGÊNCIA O GLOBO Leia mais em epocanegocios 18/03/2018

18 março 2018



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